Meu pequeno zumbi
é o que sobrou de uma criança
Ele é resto de infância
que anda em "câmera lenta"
Por corredores de silêncio e areia.
A face geografada pela tortura imposta
tenta se esconder, camuflada.
O menino não fala. Não existe tampouco!
Ele é só suas marcas, sua morte.
Seu autismo-de-trauma!
(Muitas unhas ficaram cravadas
no seu rosto e na sua memória gravadas)
***
Na primeira vez que eu toquei Etido
Foi em algum lugar que o assustava
A testa ferida suava - debaixo das minhas mãos - frio.
Medo dos meus dedos. Medo.
Sentei insistente
Pus-me do seu tamanho, toquei seu peito
E cada vez que minha mão escorregava por uma chaga
De pronto pulsava, quase saltava, um coração explodido
fingindo escondido dentro do seu corpo inerte.
Eu senti. Havia sangue nas veias e lembranças em teias.
Descobri que ali já existira alguém! Etido era alguém!
Então o procurei dentro dos olhos tristes...
E o encontrei presente no fundo daquela ausência de ser.
***
Mas foi devagar que ele confiou no amor.
Como quem sabe que não podia.
(Com adultos não se brinca!)
Passou dias nos observando pela penumbra,
Calado, quieto; disfarçado de fantasma
foi se aproximando como se não notado!
Até que resolveu falar. Balbuciava qualquer coisa reclamando que existia...
Desassustou-se de nós! Ganhei um abraço. Um abraço até:
A cabeça colada em minha barriga ia grudada
por onde quer que eu andasse
E ele começou a respirar, solto, compassado, com passado e tudo
E só então eu chorei.
E só então eu sorri.
***
Porque agora eu olho e o enxergo.
Olho e já não vejo as marcas.
Para além das manchas, se esboça contido
se exibe ainda tímido, como ato reflexo, quase negado
Seu primeiro sorriso
Que no olhar mal disfarça:
O zumbi virou criança!
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