sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Nigéria: É perigos ser criança (diário do Gito)



Hoje ficamos até escurecer tentando enfiar na cabeça de uma mulher que seus filhos não são bruxos. Que o que o profeta do terror falou não faz sentido algum. Que não é porque ele reúne centenas de pessoas ao redor dele que ele mereça ser imitado. Que os meninos são bons. Que a doença dela sem cura não é resultado de conviver com um bruxo em casa. Falamos. Falamos e falamos. Falamos... mas nada adiantou. Ela, vítima de um sistema diabólico imposto pela religião opressora e gananciosa da Teologia da Prosperidade, não deixou de considerar os filhos como pequenos amaldiçoados.
Eu fiquei puto.
Essa é a palavra.
Não com ela, vítima. Fiquei com o profetinha a ponto de querer quebrar a cara dele. Estava tão tenso, nervoso, tão explosivo que não aguentei.
Botei a cadeira na frente dela e disse: Mãe, olha nos meus olhos por três segundos.
Eu vou te dizer a verdade. Meus olhos são a prova da verdade.

Eu conheço os seus filhos!

Eles são meus amigos.
E nós vamos cuidar deles.
Eles são crianças de DEUS!!!
Eu sei que são por que os conheço.
Léo interviu. Talvez porque eu estava exagerando.
Chegamos no orfanato e eu estou ainda acabado.

Sentei e fiquei.

Chamei os meninos. Dois meninos muito especiais. Estão aqui conosco. Foram expulsos do vilarejo em que moravam. Os moradores de lá acham que morreram.
O menor, de tão traumatizado, veio trazido. Veio chorando e trêmulo.
Eu abracei o menino que é só um pedacinho de gente de tão pequenininho! 
Lágrimas escorrendo dos seus olhinhos, me partiam no meio! Eu o abracei para esmagar e disse: eu sou seu irmão mais velho agora. Vou cuidar de você. Vou proteger você. Você é uma criança linda de Deus.
Ele é quem agora me abraçava. Limpei suas lagriminhas. Segurei sua mãozinha. Estava uma escuridão. Eu era só choro, misto de amor e raiva.
Chamei o maior.
Veio com medo. É perigoso ser criança.
Já adiantei o assunto. Disse: por favor, fale ao seu irmãozinho que nós estamos aqui para cuidar de vocês. Que nós escolhemos estar aqui, ninguém nos obrigou, viemos de longe porque nos importamos com vocês e não vamos sair correndo. Queremos cuidar de vocês. Proteger vocês.

Voltei para o meu canto. Acabado.

Tanto que nem ajudei o Léo a ajeitar nosso rango.
Fiquei aqui, fones nos ouvidos, querendo ouvir uma música que traduzisse minha angústia.
E enquanto procurava, resolvi escrever o que escrevo agora.
Amanhã continuaremos.
Meus pequenos irmãozinhos me reerguem e me colocam de volta no trilho.
Enquanto estava aqui para meditar, me lembrei do David, meu amigão.
Ontem, David foi comprar sua mesinha para estudar. Aqui os alunos é que compram a carteira escolar. Foi todo feliz.
No meio do caminho, ele pegou na minha mão e disse: Uncle, obrigado.
Não falou mais nada. E caminhamos em silêncio.
Essa lembrança de sua gratidão foi sarando minha tristeza.
A música que eu procurava, encontrei.
Se chama Silêncio.
Nele, Deus acalma a gente e fala ao coração.

Gito

Na foto, David e eu. Conversando sobre como olhar as horas no relógio.

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