terça-feira, 22 de outubro de 2013

O amor vencerá (Nigéria by Gito)


Passei o final de semana na cidade e não comi muito bem.

Hoje, o dia começou na maior correria. Eu tinha que fazer milhões de coisas. 

Além de comprar algumas coisas para cozinhar.

Achei batatas, cebolas e tomates. E comprei um presunto enlatado. Um molho de tomate e macarrão. Além da Coca-cola que sobrou de ontem!

Mas passei o dia todo correndo, de um lado pro outro, vendo as horas sendo poucas diante de tanta coisa.

Corri tanto que fui almoçar às 20h.

Ou melhor, preparar o almoço.

O que seria minha primeira refeição do dia. Estava na correria regado a muita água e duas balinhas.

Caprichei!

Mandei ver meus dotes culinários.

Cozinha revolucionária! Transformar o que se tem num banquete, usando sempre uma panela só e um fogão de uma boca, no escuro!

E detalhe: cozinhar com a água mineral que você precisa economizar, pois se acabar a diarreia vem correndo te visitar!

E reciclar tudo. A casca da batata se frita. A pele do tomate vira molho. Se não tem carne, desfia o presunto.

A Ana Maria Braga e o Louro José, a Palmirinha e a galera da cozinha no Brasil perderam feio hoje. Mandei bala com um farolete alumiando, até que o gerador funcionou e enfim, houve luz!

Spaghetti ao molho de tomate acebolado com presunto.

Salada de Tomate e sal, para dar muita sede e sensação de tempero.

Batata cozida e a casca frita.

Coca-cola quente sem gás.

Sentei.

E pensei comigo:

Eu tava merecendo isso!

Olhei para meu prato. O maior e mais variado desde que cheguei.

E pensei comigo:

Isso é uma ceia.

Foi só pensar em ceia, me lembrei do Mestre.

Me enchi de gratidão e falei com Ele: Senhor, valeu demais por esse rango. 

Com esse macarrão vou lembrar do seu sacrifício, do seu corpo massacrado por amor. E com essa Coca vou lembrar do seu sangue derramado em favor de justos e injustos. Tô comendo (e ia falando com Ele e comendo) fazendo isso em sua memória.

E enchi o bucho...

Mas estava chegando na reta final quando pensei que ceia é também comunhão, comum união, partilhar do pão, dividir, compartilhar, ter companheiro, palavra linda que traz em seu significado "con-pane" Com-partilhar o pão.

Pensei em chamar alguma criança. Mas mataria as outras do coração e do estômago, pois ninguém sairia daqui sem espalhar o que aconteceu e contando o que comeu.

Mas me lembrei do segurança noturno. Um senhor magrinho que mais dorme do que vigia. Eu já quase o matei de susto diversas vezes nas minhas andanças ao banheiro de madrugada. Ele quase caía da cadeira.

Esse senhor está aqui no lugar do segurança contratado pelo Way To The Nations, no caso, nós, mas que saiu tocado pelo Bishop que bate as asonas e a espora feito galo de briga no terreno que insiste em lembrar, diariamente, que é dele, por mais que quem põe a coisa para funcionar aqui são os gringos, no caso... nós.

Certamente o Bishop não vai pagar o salário dele.

E ele é um senhorzinho idoso para ficar rondando de madrugada nesse breu sem fim. Eu, no lugar dele e com a idade dele, dormiria de babar, igualzinho ele faz.

Me com-padeço dele.

E pensei comigo:

Vou chamar o segurança para jantar.

Fui, no breu, atrás do cara.

Não achei.

Quem é que acha alguma coisa sem enxergar um milímetro à sua frente?

Mas enquanto eu perguntava "cadê o segurança?", as paredes que aqui têm ouvidos deu um jeito de chamá-lo.

Estava no meu cantinho, quando ele chegou meio desesperado, com sua lanterninha.

Se aqui acontecer alguma coisa, ele é o primeiro que desmaia. Depois eu.

Eu disse: Senhor, fiz esse montão de comida, mas não queria comer sozinho.

O senhor me acompanharia no jantar?

Falei isso com o bucho cheio.

Puxei a cadeira para ele, servi-lhe Coca-cola quente. Um pratão de macarrão. 

Eu, que estava cheio, fiquei só na batatinha.

Ele foi beliscando, em silêncio.

Não sabia manejar o garfo.

Perguntou se eu era do Way To The Nations.

Eu disse que sim, ele ficou pensativo.

Apanhava do garfo. Não conseguia enrolar o macarrão. Mas deu seu jeito.

Deixei-o à vontade, enquanto fui arrumar a bagunça que fiz para fazer o rango.

A CIA, KGB, MI6 do Bishop veio ver o que se passava.

Chegou a X9 da área, uma moçona que reporta tudo ao "Daddy" (como ela o chama, ou melhor, como ele força que o chamem) e o filho do Daddy, meu vigia particular, treinado para me observar com seus olhos vesgos o dia todo e invadir meu quarto com a mesma frase besta: Quanto tempo, você sumiu, blá blá blá, reparando em tudo.

Mas eu estava cheio de um sentimento não meu, uma compaixão para além de mim, uma misericórdia sem fim, muita graça para estender.

Tratei de estender a mão e pegar o presunto e dizer para a moça: Você gosta de presunto, coma com a gente!

O meu vigia particular já ia saindo, talvez achando muito esquisito isso tudo, mas tratei de lhe cercar e disse olhando para o pijama roxo esquisitíssimo, mas interessante: Mano, fique aqui, gostei do seu pijama, rapaz. Diferente, mas legal. Meio Raul Seixas...

Ele sequer ouviu falar do Raulzito. Mas falei assim mesmo.

- Legal te ver, vamos gente trocar ideia. Vou cozinhar para você um dia desses, mano!

Ele meio sem graça, sem entender.

Ele deve achar que eu deveria estar puto diante do que ele faz diariamente, o que de fato me irrita, mas hoje eu estava para além de mim.

A X9 da área totalmente sem graça, sem entender.

O segurança, que agora tinha nome, Mr. Victor, comendo devagarinho, sem entender.

E eu, entendendo tudo!

É o olhar de misericórdia para o Pedro cagão, inconstante, que faz jogo duplo, o tempo todo.

É a compaixão com o crucificado ao lado que diz: Lembre-se de mim...

É estender a mão ao mesmo prato e partilhar do mesmo pão com o Judas traidor mesmo sabendo que ele está ali só para mais tarde poder ganhar suas moedinhas de prata...

É o pedido de perdão aos que não sabem o que fazem...

É o choro diante do caos que se tornou Jerusalém...

É a Graça estendida a este que vos fala, que é um saco de bosta, mas  que sabe quem É que o faz agir com essa Graça que deixa sem graça os que recebem carinho mesmo pisando no calo o dia todo.

Isso não é de mim.

Vem Daquele que habita em mim.

Apesar de mim.

E o Mr. Victor saiu daqui agradecendo de uma maneira bem particular, apertando a mão enquanto abaixa a cabeça. Tentei repetir o gesto. Fui meio descoordenado.

Ele, na verdade, é um senhorzinho pobre que passa muita dificuldade, senão não iria encarar essa jornada noturna. Deve ficar faminto a noite toda.

Disse a ele que se ele tiver fome ou sede, na Madrugada, é para bater na minha porta. Irei servi-lo e brinquei que iria vigiá-lo, qualquer momento eu apareceria com um pedaço de pão, se ele não morresse de susto antes.

Serei seu vigia. Cuidarei dele.

Os três se foram, mas eu sei que a Graça os balançou.

Me balançou também.

Lavei a louça no chuveiro, agradecendo por ter tido com-panhia no jantar.

Se eu não dividir a Graça que recebo e o pão que tenho, o que vim fazer aqui? Não na Nigéria, no Planeta!

O amor vencerá.

Vou me esforçar em pôr os que me dão muito trabalho aqui para dentro e servi-los com o que eu tiver de melhor.

É assim que é comigo, sempre, da parte de Deus! E eu Lhe dou o maior trabalhão o dia todo!

Rezem, orem, jejuem, mandem energias e façam sei lá o quê você é capaz de fazer para meu novo projeto:

Enchendo o bucho de comida e o peito de amor.

Um projeto pacífico e culinário sem fins lucrativos.

No dia do Bi-shopping, de sacanagem, vou fazer miojo e socar pimenta!

Pro rabo dele sair doendo igual era o do Bobó.

Também tenho meu lado eu mesmo. Não é só paz e amor, né rapaziada.


Beijão em todos!


Gito

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